A resistência de plantas daninhas a herbicidas no Brasil foi pela primeira vez relatada aos herbicidas inibidores da ALS (1993), exatamente com picão-preto, na época descrita como Bidens pilosa. Porém, foi depois identificado que, no Brasil, infestando culturas agrícolas, há predominância de duas espécies do gênero Bidens, B. pilosa e B. subalternas, com pequenas diferenças morfológicas e suscetibilidade a herbicidas. Naquela oportunidade a cultura de soja resistente ao glifosato ainda não estava sendo cultivada no Brasil, e o desafio para o produtor era grande. No entanto, quando em 2005 foi liberado o uso de culturas resistentes ao glifosato, o problema de controle do picão-preto foi imediatamente solucionado.
Em 2023 o picão-preto volta a ser um problema para os produtores de grãos no Brasil, pois foram relatados casos de resistência ao glifosato. Desenvolvemos pesquisa no passado que mostram que populações resistentes a inibidores da ALS têm a mesma adaptabilidade que populações suscetíveis. Assim, uma vez selecionadas estas populações, mantêm-se na comunidade de plantas daninhas por muito tempo. É provável que as populações resistentes de picão-preto, agora relatadas como resistentes ao glifosato, tenham ainda a herança de resistência aos inibidores da ALS, restringindo, portanto, seu controle alternativo por este mecanismo de ação.
Como as populações resistentes de picão-preto ainda estão restritas em termos de distribuição no país, prevenir é a melhor recomendação que temos para o produtor. Sua prevenção inicia-se na dessecação. Dentre os herbicidas indicados para dessecação se destacam os hormonais (2,4-D, triclopir e fluroxipir), o glufosinato de amônio e os inibidores da PPO (saflufenacil). Seguindo aos herbicidas de dessecação, é necessário associar um bom pré-emergente de manejo.
Dentre os pré-emergentes com eficácia no picão-preto destacam-se o flumioxazin e sulfentrazone. Na pré-emergência é importante aplicar os herbicidas antes que inicie o processo de germinação das sementes, pois a rápida germinação e a grande quantidade de reserva proporcionam “escapes” de controle se a semente já iniciou seu processo de emergência. Nesse sentido, o “aplique e plante” pode ser uma boa alternativa; ou, se “plante e aplique”, esta deve ser no máximo em 24 horas após a semeadura. De qualquer forma, os melhores resultados são obtidos quando o herbicida é ativado no solo antes da emergência da planta daninha.
Na pós-emergência, depois que a soja se estabeleceu, é recomendado também herbicidas inibidores da PPO, como fomesafen e lactofen, além dos inibidores do fotossistema II (bentazon). Em populações de picão-preto não-resistente aos inibidores da ALS, o chloransulan pode ser utilizado. Na pós-emergência também teremos como opção os herbicidas auxínicos (2,4-D ou dicamba) para culturas resistentes a estes herbicidas respectivamente, porém o dicamba no momento só é registrado para aplicação em pré-semeadura.
A mudança para um herbicida com diferente mecanismo de ação, que ainda seja ativo na população de plantas daninhas, é recomendação imediata que toda consultoria apresenta; pois a integração de táticas apropriadas baseadas no conhecimento adequado da biologia das plantas daninhas e no mecanismo de ação do herbicida é necessária para um manejo duradouro da resistência aos herbicidas. Assim, é importante que o produtor adote um sistema de produção que desfavoreça a seleção do picão-preto resistente ao glifosato.
Em um programa de manejo de uma planta daninha que recentemente foi reportada como resistente ao glifosato, como no caso do picão-preto, é importante considerar o uso de todas as opções de manejo; culturais, mecânicas e herbicidas disponíveis para o controle eficaz, em cada situação, e empregar algumas premissas de boas práticas de manejo (BPMs):
• Diversificação em relação ao manejo, focada no sentido de prevenir a produção de sementes, e redução do banco de sementes do solo.
• Caso esteja arrendando áreas, escolha áreas livres da planta daninha resistente.
• Utilize sementes de culturas livres de sementes das daninhas resistentes, embora o picão-preto seja uma semente muito fácil de ser eliminada no beneficiamento.
• Faça um monitoramento constante das áreas para constatar a presença da planta daninha resistente.
• Utilize diversificação de mecanismos de ação dos herbicidas recomendados ara a área, e que sejam eficazes no picão-preto, mesmo não tendo o biótipo resistente na sua área.
• Use sempre dose de bula, nunca subdoses ou acima da recomendada.
• Empregue práticas de condução da cultura que favoreça o seu rápido fechamento do dossel foliar.
• Se apropriado, utilize práticas de manejo mecânicas como roçadeiras e grades.
• Fique atento para não provocar dispersão de sementes na fazenda.
• Faça manejo de plantas daninhas de infestação tardia, pois estas normalmente são resistentes a herbicidas; e elas que enriquecem o banco de sementes para o próximo ciclo da cultura.
• Evite a entrada de sementes de picão-preto de áreas vizinhas ou de estradas e rodovias.
Estas medidas parecem elementares, mas na prática muitas delas são negligenciadas. Estas medidas fazem a diferença entre os produtores, e muitas delas não representam custo adicional, e sim apenas uma questão de planejamento e adoção de boas práticas agrícolas.
Entender a biologia da planta daninha é fundamental no sistema de produção com o objetivo de reduzir o banco de sementes ao longo dos anos, e com certeza um dos objetivos das boas práticas de manejo, porém não é uma tarefa fácil. O picão-preto é uma planta daninha que tem ciclo de vida curto, quando comparado com a cultura; e produz sementes muito antes da maturação da cultura. A dispersão do picão-preto, todos conhecemos, pois, com certeza, já tivemos os frutos do picão-preto sendo transportado em nossas vestimentas. No entanto, a longevidade das sementes é curta, o que facilita sua erradicação de uma área em poucos anos.
Reduzir a “chuva de sementes” e inserções de novas sementes no banco de sementes é fundamental. Os frutos de picão-preto são de tamanho avantajado, e mesmo assim uma considerável quantidade de sementes por planta é produzida. Assim, uma das formas de evitar que as populações de picão-preto se estabeleçam em uma propriedade é evitar que as plantas cheguem a fase de maturação das sementes, evitando o enriquecimento do banco de sementes. Para isso, a tolerância da presença de picão-preto na área deve ser zero.
Prevenir que as populações resistentes de picão-preto cheguem na fazenda é com certeza um dos objetivos de uma boa prática de manejo desta planta daninha. Assim, uma prática fundamental para evitar que sementes sejam produzidas na cultura é “começar o cultivo no limpo”. Isto significa a necessidade de uma boa dessecação, aliada posteriormente com herbicidas residuais e seletivos na cultura a fim de evitar totalmente a produção de sementes novas do picão-preto. Um dos grandes desafios deste procedimento é o custo, que em algumas situações não são aceitáveis pelo produtor.
Embora a semente de picão-preto não seja similar às sementes da maioria das culturas, às vezes o uso de sementes de culturas de cobertura ou adubos verdes, cuja qualidade não é tão considerada, pode vir contaminada de sementes de picão-preto. Desta forma, é muito importante comprar sementes idôneas e de qualidade.
A prática de levantamento da infestação de plantas daninhas na área é fundamental para a recomendação do herbicida correto, porém neste levantamento o produtor deve estar atento para o incremento da infestação de picão-preto ao longo dos anos, que pode indicar um processo de seleção de plantas resistentes ao logo dos anos, apesar que a maioria dos produtores não fazem este levantamento por questões de custo.
Diversidade de mecanismos de ação de herbicidas no sistema de produção é fundamental, quer seja em misturas de produtos formulados ou em tanque, ou ainda através da rotação de culturas. Embora esta recomendação seja evidente e todos concordam, há dificuldades no seu uso pelo desconhecimento dos mecanismos de ação por parte dos produtores e recomendantes, bem como pelo problema do aparecimento cada vez mais frequente de plantas daninhas com resistência múltipla a vários mecanismos de ação.
Um aspecto que cada vez está mais complexo no campo é o fato do produtor não seguir a recomendação de dose indicada na bula do herbicida, bem como aplicar o herbicida no momento indicado para o estádio de crescimento da planta daninha. Redução de doses do herbicida é uma prática comum entre os produtores que levam em consideração o princípio de produzir mais por menos. Também, a logística de aplicação das grandes propriedades rurais leva o produtor a aplicar herbicidas em estádio de desenvolvimento muito avançado do picão-preto, o que pode aumentar o processo de seleção para a resistência.
A adoção de cultivares mais competitivas e de rápido fechamento do dossel é com certeza uma boa prática agrícola para combater o picão-preto resistente ao glifosato. Para isso é importante escolher e variedade adequada para o ambiente de produção, realizar a semeadura no momento indicado, seguir a recomendação de taxa de semeadura e espaçamento adequado, além rotação de culturas e um bom manejo de nutrientes e irrigação.
O uso de cultivo mecânico pode ser uma prática indicada em algumas situações específicas, porém, o uso de culturas de cobertura e cobertura morta é fundamental para o controle do picão-preto, dada sua sensibilidade a estas práticas. No entanto, o aspecto econômico às vezes dificulta a adoção destas práticas. Finalmente, adoção de práticas na colheita que evitam a dispersão das sementes para outras áreas, bem como impedir a entrada de sementes de bordaduras ou caminhos são fundamentais.
Embora os herbicidas continuem a dominar as práticas de controle das plantas daninhas devido à sua vantagem econômica, a sustentabilidade do uso de herbicidas depende da sua diversificação e integração com estratégias não químicas de controle de plantas daninhas. Somente através da implementação de diversas práticas de manejo de plantas daninhas é que os herbicidas serão conservados como um valioso recurso agrícola.
Elaborado por
Pedro Jacob Christoffoleti (HERBtech)
Francielli Santos de Oliveira (Esalq/USP)
Luiz Henrique Franco de Campos (HERBtech)
Leonardo de Oliveira Semensato (UFSCar)
Fonte: Revista Cultivar