Segundo um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 74% dos brasileiros se dizem “consumidores ambientalmente conscientes”. Metade dos consumidores verifica se o produto foi produzido de forma ambientalmente sustentável, sendo 24% sempre e 26% na maioria das vezes. A agenda do consumo sustentável tem crescido no Brasil e já começa a afetar o modo de produção de diversas empresas. A prática envolve a escolha de produtos que utilizam menos recursos naturais em sua produção, que garantem o emprego digno aos funcionários, e que serão facilmente reaproveitados ou reciclados. Além disso, alimentos com menos químicos e menos sofrimento animal, entre outros critérios. Todos esses fatores, como mostra a pesquisa, têm se tornado pontos decisivos para o consumidor na hora de escolher o que levar da prateleira do mercado.
Com essa tendência influenciando os padrões de consumo, empresas que já adotam os moldes sustentáveis de produção entram na corrida para conferir mais credibilidade ao seu produto, buscando formas de garantir que o consumidor identifique rapidamente as qualidades da mercadoria. Uma das formas que estão sendo estudadas e testadas, é a aplicação da tecnologia blockchain no monitoramento das atividades das indústrias.
Consumidor final
O professor Bruno Albertini, da Escola Politécnica da USP, explica de forma ilustrativa como a medida chegaria ao consumidor final. “Imagine você chegar no mercado, pegar seu celular e escanear um simples QR Code na embalagem do seu hambúrguer ou outro produto do seu desejo, e ter acesso a toda a cadeia produtiva de forma detalhada ali mesmo na tela do seu celular. É isso que a blockchain visa a possibilitar, você teria acesso a informações como: A fazenda de onde veio o boi, se ela adota práticas amigáveis ao meio ambiente, a alimentação do boi, o tipo de pasto, a soja ou outro alimento que foi dado ao animal, o método do abate do boi, a vacinação que ele fez ou deixou de fazer, enfim. O acesso permite uma rastreabilidade sem precedentes na história da indústria”, explica.
O professor indica ainda um benefício direto ao produtor no caso de cadeia de frios. Muitos alimentos que precisam ser conservados em locais refrigerados acabam se perdendo em processos de armazenamento e transporte. Com a aplicação da blockchain, é possível ter um maior controle sobre essas etapas, possibilitando uma maior taxa de conservação dos alimentos e evitando desperdícios. “Tanto para animais quanto para outros tipos de alimentos perecíveis, a produção nunca está no grande centro dos consumidores. Então isso implica uma série de processos logísticos, como você não processa quase nada do que é vendido nos centros urbanos, existe uma cadeia de transporte e armazenagem de frios que tem que ser feita em uma refrigeração. Especialmente carnes, todos os tipos de carne, incluindo as carnes brancas, tipo peixe e aves, elas estão muito sensíveis a temperatura, então se a temperatura atingir uma determinada faixa, aquela carne não pode ser mais usada para consumo, ela estraga. Por isso, se um caminhoneiro for para onde não deveria por mais tempo, desliga o refrigerador para economizar combustível, descongelar a carne, congelar de novo, certamente a carne vai ser perdida. O monitoramento automático da cadeia de frios também é uma preocupação e as pessoas têm usado blockchain para aumentar a rastreabilidade. Assim você sabe o trajeto que foi feito, onde parou, a temperatura mantida no refrigerador, quem transportou, a empresa, e o caminhão, além de quem dirigiu também. Com a blockchain isso tudo se torna automático, ninguém consegue nem intervir nisso” afirma.
Banco de dados
A blockchain é um sistema descentralizado e transparente de banco de dados. Os dados são registrados em “blocos”, visíveis para toda a rede. O bloco de dados pode registrar as informações de sua escolha: quem, o quê, quando, onde, quanto, registrar a condição, como a temperatura de uma remessa de alimentos. Quando alguém insere informações no bloco, eles são lançados em uma cadeia. O próximo bloco de informações é conectado no anterior, criando uma rede cronológica de informações à medida em que vão sendo lançadas as informações. Assim que o bloco é lançado, ele recebe uma validação de toda a rede e se torna imutável, nenhum participante da rede consegue mudar qualquer informação inserida. Conectados uns nos outros, em ordem cronológica, esses blocos vão conferindo segurança à rede à medida que são formados.
O docente explica que a medida é promissora, mas ainda tem encontrado gargalos em sua estrutura. “Um problema sério do uso da blockchain na produção de alimentos é o ponto de entrada das informações. Os registros são imutáveis, se você insere que um bezerro nasceu em tal dia, foi vacinado com tais vacinas, ninguém pode mudar nada. Mas a entidade que vai inserir esses dados tem que ser confiável. Hoje, o que está se utilizando para informações sobre os animais são veterinários. O profissional vai lá, confere todas as informações certas e as insere na blockchain. Algumas empresas de tecnologia têm criado selos de verificação, elas fazem o serviço de verificar periodicamente as atividades de produtores e aplicarem um selo de certificação. Outra solução, especificamente para animais, desenvolvida pela Embrapa, foi a utilização de um monitoramento 24 horas do gado via wi-fi, através de um brinco na orelha do gado e toda a atividade diária do gado monitorado é enviada para a blockchain automaticamente. O ideal é tornar os processos o mais automatizado possível”, finaliza.
Foto: Ministério da Agricultura e Pecuária
Elaborado por
Regis Ramos/Jornal da USP
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