O primeiro mapa de saúde do solo da América Latina e Caribe (ALC) apresenta um panorama detalhado sobre o estado atual da saúde dos solos do continente e aponta caminhos cruciais para políticas públicas voltadas à conservação e manejo sustentável. Liderado por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP em Piracicaba e do Centro de Estudos de Carbono na Agricultura Tropical (Ccarbon) também da USP, o estudo publicado em artigo da revista Communications Earth & Environment (Nature) usa tecnologia de sensoriamento remoto e aprendizado de máquina para mapear, em alta resolução, os indicadores físicos, químicos e biológicos que definem a saúde do solo.
De acordo com o professor Raul Poppiel, autor do estudo, o mapeamento revela que 38% dos solos da ALC são considerados não saudáveis, ou seja, degradados; enquanto 28% moderados e apenas 34% apresentam boa saúde. As áreas mais críticas estão concentradas em regiões áridas e de savana, como a Caatinga e o Cerrado, enquanto os solos mais saudáveis se encontram em zonas equatoriais úmidas. A Amazônia, embora coberta por vasta biomassa vegetal, em geral apresentou índices médios a baixos de saúde do solo, o que reforça a vulnerabilidade do solo e a urgência de medidas de conservação.
“A saúde do solo é fundamental não apenas para a produção agrícola, mas também para o equilíbrio dos ecossistemas, o que a torna crucial para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas”
afirma o professor Maurício Cherubin, vice coordenador do Ccarbon e um dos coautores do estudo. De acordo com o trabalho, fatores como desmatamento, manejo inadequado das terras e mudanças climáticas têm agravado a degradação dos solos. “Encontramos uma relação direta onde áreas com maior frequência de solos expostos (sem cobertura vegetal) tem os piores níveis de saúde do solo”, explica o professor José Alexandre Demattê, que também fez parte do grupo de pesquisadores que realizaram o estudo.
Poppiel destaca que o diferencial do estudo está na utilização de mapas de alta resolução, construídos com grande volume de dados georreferenciados de solos, de sensoriamento remoto e algoritmo de aprendizado de máquina. Essa abordagem inovadora potencializa o uso dos dados disponíveis para realizar uma avaliação integrada e detalhada da saúde do solo.
FUNÇÕES ESSENCIAIS DO SOLO
De acordo com Jean Novais, pesquisador de pós-doutoramento na Esalq e coautor do artigo, a metodologia permitiu uma análise aprofundada de funções essenciais do solo, como armazenamento de carbono, retenção de água e suporte ao crescimento das plantas. Além disso, os pesquisadores identificaram os principais fatores que influenciam a saúde do solo, destacando indicadores críticos como densidade, porosidade total, teor de carbono e disponibilidade de água para as plantas.
A abordagem combinou tecnologias como computação em nuvem e conhecimento empírico aplicadas a dados de observação da Terra para gerar um modelo capaz de representar o status dos solos da ALC, o que resultou em um estudo sem precedentes. “Desde a concepção até o desenho final do artigo, passamos por várias discussões entre os autores, editores e revisores com o intuito de encontrar a forma mais completa e clara de representar o panorama dos solos desta região tão importante para o nosso planeta e que enfrenta desafios socioeconômicos e ambientais”, ressalta Novais.
O estudo fornece uma base científica sólida para o desenvolvimento de políticas públicas específicas para diferentes biomas e países da região. “Mapeamentos como este permitem direcionar investimentos e programas de recuperação para áreas mais críticas, de modo a maximizar os resultados ambientais e socioeconômicos”, destaca Cherubin. De acordo com a pesquisa, países como Colômbia e Venezuela lideram em termos de extensão de solos saudáveis, enquanto regiões como o Nordeste brasileiro, Norte do México e partes do Chile e Argentina enfrentam os maiores desafios.
O Brasil, com sua vasta extensão territorial e relevância agrícola, desempenha um papel central na saúde do solo na América Latina. Em 2025, o País será palco de eventos globais cruciais: a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), em Belém, o Simpósio Latino-Americano e Caribenho de Pesquisa sobre Carbono do Solo (LAC Soil Carbon), no Rio de Janeiro, e o 34º Congresso Brasileiro de Ciência do Solo, em São Luís do Maranhão. Em 2026, o Ccarbon sediará o 10º Simpósio Internacional de Matéria Orgânica, evento que ocorrerá pela primeira vez na América Latina. Esses encontros serão oportunidades fundamentais para destacar os avanços científicos, compartilhar experiências regionais e reforçar o compromisso com práticas sustentáveis de manejo do solo.
“Os resultados trazidos pelo estudo apontam para a necessidade urgente de adoção de práticas sustentáveis, como sistemas de plantio direto, recuperação de pastagens degradadas e manejo integrado. Além disso, destacam a importância de cooperação internacional, padronização de métodos de monitoramento e investimento contínuo em ciência e tecnologia”, conclui o professor Poppiel. A pesquisa, fruto de uma colaboração internacional entre Esalq, Ccarbon e instituições parceiras, reforça o papel central dos solos na agenda global de sustentabilidade.
Fonte: Jornal USP
Foto: Mauricio Chrubin/Esalq-USP
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